Ao contrário do que nos dizem os clássicos infantis, não há em regra moral na história. É assim que podemos assistir, boquiabertos - como anteontem - a um Santana Lopes, na TVI24, a perorar, a propósito do curso de Relvas, sobre deverem ser os políticos julgados pelos seus atos em funções e não por episódios do seu percurso privado (cito de memória), sem que algum dos presentes, de Constança Cunha e Sá a Assis e Rosas, pigarreasse sequer. Que o homem que nas legislativas de 2005 fez insinuações explícitas sobre a orientação sexual do adversário e exigiu a audição do depois primeiro-ministro no Parlamento sobre a respetiva licenciatura possa, sem lhe cair tudo em cima, afetar lições de fineza e elevação é bem elucidativo, não apenas da sua comprovada desvergonha, como da amnésia amoral da audiência.
De vez em quando, porém, a realidade faz-se fábula de La Fontaine. E vemos então alguém como Miguel Relvas, que em abril de 2009 afirmou "se fosse parente do engenheiro Sócrates escondia que era parente dele", acrescentando "depois de ganhar as eleições todos os dias quero que a minha filha tenha orgulho" a, numa audiência parlamentar do caso das secretas, três anos depois, lamentar--se, olhos e voz tremeluzentes, pelo "muito que custa" e "o tão injusto é" ser julgado na praça pública, concluindo: "Todo o cidadão tem direito ao bom nome; [...] tenho família, tenho amigos, tenho uma posição na sociedade..."
Tem Miguel Relvas toda a razão: todo o cidadão tem direito ao bom nome. Até ele, que o negou a outros. Curioso que só se dê disso conta quando é à sua porta que as acusações e insinuações batem, depois de tudo ter feito, como tantos "notáveis" do seu partido, de Santana a Ferreira Leite, de Marques Mendes a Menezes, de Pacheco Pereira a Passos, para que a doença do ad hominismo infetasse o combate político, banalizando as considerações sobre "o carácter", o percurso académico e até a família dos adversários.
Estamos a falar do partido cujo líder Marques Mendes pediu, em 2007, uma comissão independente para investigar a licenciatura de Sócrates (o qual, recorde-se, fez cinco anos de Engenharia em universidades públicas); que exigiu uma audição da ministra Lurdes Rodrigues para explicar a suspensão de um funcionário por supostamente ter feito uma piada insultuosa sobre o diploma do então PM, considerando, a priori, estar ante "uma atitude intimidatória, persecutória e opressora dos mais elementares direitos, liberdades e garantias." Um partido, enfim, especializado na calúnia, no insulto e na perseguição pessoal, cujo grupo parlamentar rejubila com menções "a licenciados de domingo" ou "discursos encomendados em cafés de Paris".
Num tal partido, a revelação da licenciatura "Novas Oportunidades" (ah, a suprema ironia - "certificação da ignorância", não era, senhor primeiro-ministro?) de Relvas deveria ter o efeito de uma bomba de tinta negra - tudo com a cara pintada de preto. Isto, claro, se face houvesse.
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