segunda-feira, outubro 06, 2003

A mulher, o estudo e o vinho mudam a natureza do homem.....

Cantou Amália Rodrigues, num dos seus fados, que numa casa portuguesa, com certeza, haveria sempre pão e vinho sobre a mesa. Vem tal tradição de tempos imemoriais, do tempo dos fenícios, Ulisses e outros quejandos.
Mas foi com os romanos que os vinhedos se estenderam pelas nossas vastas terras, no aconchego soalheiro do nosso clima. E nós a ele nos afeiçoámos.

E sendo Portugal um país de vinho, não podiam os escritores passar ao lado do precioso néctar - recordamos o livro de Fialho de Almeida "O País das Uvas" - e deixar de escrever em letra redonda nas suas obras o amor e a estima que tanto lhe tinham.

Mas ao vinho, também o vulgo lhe dedicou preciosas homenagens, transmitidas de boca em boca às gerações seguintes, reflectindo-se em provérbios e rifões a personalidade de um povo e o conhecimento prático das vivências do ser português.

Hoje, os tempos são outros, e os templos de adoração do vinho vão aqui e ali encerrando portas para nunca mais abrir. Perde-se assim um pouco de Portugal. Longe vão os tempos do ramo de loureiro sobre as portas,quer na Vendinha, no Entroncamento e mesmo no centro da Vila, indicando que ali se bebia vinho... resta-nos a cultura popular que nunca faz esquecer o vinho e a sua sabedoria.

Para o ciclo do vinho, por exemplo, ficamos a saber que "no Dia de S. Matias - a 24 de Fevereiro -, começam as enxertias" e um alerta aos mais incautos, que "quem não poda em Março, vindima no regaço".
Por volta de 3 de Maio, "no Dia de Santa Cruz já a vinha reluz". Porém, andam os vinhateiros, devido aos desvarios atmosféricos, sempre em palpos de aranha, e "até S. Pedro, há o vinho medo". Contudo, "por Santa Marinha - a 18 de Julho -, vai ver a tua vinha, e qual achares, tal a vindima". Sossegam-se as almas e os espíritos.

Correm serenos os dias, preparam-se os pipos e os cestos e já "por S. Lucas - a 18 de Outubro -, sabem as uvas". Dez dias depois, a 28 de Outubro, "por S. Simão e S. Judas, colhidas são as uvas". Segue-se o lagar e a pisa e lá para o dia 11 de Novembro, "Dia de S. Martinho, prova o teu vinho", acompanhado pelas castanhas assadas, conhecidas também por "batata medieval", juntamente com as favas.
Outros informam que "em dia de S. Martinho, mata teu porco e prova teu vinho", pois a carne nunca foi muito desapegada da bela pinga. Uma nota final sobre quem deve trabalhar os vinhedos: "a vinha escave-a quem quiser, pode-a quem souber e cave-a o seu dono", nem mais.

Tanta tradição provocou no vinho grande estima junto dos homens e não há mesa, de rei ou vilão, que não tenha por lá o seu gomil, que "quem tem bom vinho, tem bom amigo". E sobre a qualidade dos amigos, surge aquele conselho: "azeite, vinho e amigo, o mais antigo". Uma última advertência: "quem é amigo do vinho, de si mesmo é inimigo".

A receita para um bom repasto apercebe-se através do rifão "carne que baste, vinho que farte e pão que sobre", ou então, "carne de hoje, pão de ontem e vinho de outro verão fazem o homem são".
Quanto ao melhor vinho, há a indicação de que devemos escolher "azeite de riba, mel do fundo e vinho do meio" ou "pão com olhos, queijo sem olhos, vinho que salte aos olhos".

Muita da sabedoria popular foi bebida no vinho, que lhe fornece matéria quanto baste, e, entre outras advertências, também apareceram provérbios terapêuticos.
"Bebe vinho branco de manhã, e, à tarde, tinto para teres sangue" ou "bom vinho faz bom sangue". Um outro afiança que "para bom caminho, bom vinho". Uma das receitas de longevidade é sugerida no seguinte anexim: "quem se lava com vinho, torna-se menino".

Curiosamente, as relações entre o vinho e a mulher são das mais favoráveis. Muitos dos provérbios alertam os homens para certos perigos:
"a mulher e o vinho tiram o homem do seu juízo";
"vinho e moça, peral e faval, maus são de guardar";
"nem mulher casada, nem vinha vindimada";
"mulher janeleira, uvas na parreira";
"mulher, vinho e cavalo, mercadoria que engana".
Para terminar, apregoam os avoengos ditados que "do vinho e da mulher livre-se o homem se puder". Outros são mais favoráveis ao belo sexo, exibindo uma farronca tão característica do homem mediterrâneo, como por exemplo, "à mulher e à vinha o homem dá alegria".

Mas, por ora, fiquemo-nos por aqui, que muito mais haveria para dizer, é certo, já que a sabedoria popular é tão antiga como o vinho, mas também porque "quem de vinho fala, sede tem".

Nenhum comentário: