quarta-feira, outubro 29, 2003

Os Velhos no Meio dos Pinheiros ..........................

Um dos aspectos mais interessantes da entrevista que o Presidente da República concedeu anteontem ao PÚBLICO/RTP/Rádio Renascença está na tentativa de demonstrar que Portugal existe para lá do processo judicial da Casa Pia.
Jorge Sampaio tentou demonstrar que essa existência é real em muitos domínios de sucesso mas também noutros onde não conseguimos sair da cepa torta, como a educação, a saúde e a economia. Sobretudo, Sampaio não ignorou um país rural, interior, penalizado por todo o tipo de misérias que está expressivamente ilustrado na ideia que deixou sobre os incêndios: " Se podemos tirar alguns ensinamentos dos trágicos incêndios do Verão é que há um outro Portugal que o país urbano redescobriu. Estão lá os velhos, no meio dos pinheiros. Tiveram uma derrocada absoluta nas suas vidas e nós temos que recompor isto".

Estão lá os velhos, no meio dos pinheiros... É verdade, nessas imagens terríveis está um país que só merece a atenção do tal Portugal urbano de cada vez que há uma tragédia. Foi assim com os dramas e as mortes cíclicas dos incêndios, das quedas das pontes, dos acidentes de viação com autocarros. É assim em cada caso de abuso sexual e morte de crianças.

A desprotecção social é um dos aspectos mais chocantes do tempo em que vivemos, uma época em que os dirigentes políticos mais depressa se acotovelam para discursar na inauguração de um estádio de futebol do que se empenham em aparecer junto de quem sofre. As inaugurações de estádios rendem votos, as políticas para um interior despovoado de eleitores não rendem nada. Essa é a realidade cruel de uma política calculada em função da densidade populacional e de eleitores e não de um ideal de um desenvolvimento igual para todos. Os discursos sobre o interior, na verdade, não passam hoje de uma retórica inútil na esmagadora maioria dos programas e intenções de campanha eleitoral.

É por ser essa a atmosfera da cultura dominante que esses velhos, de que nos fala Sampaio, "estão lá no meio dos pinheiros", sozinhos, abandonados e desprezados. Eles são o depositário do imenso desprezo que o esquecimento do interior comporta. Mas eles são também uma metáfora do mesmo povo desprezado pelos srs. gestores da EDP que vão transferir para o bolso dos contribuintes o custo dos despedimentos (da "reestruturação"...) que estão a congeminar. Ou os srs. da Docapesca que vão despedir sem apelo nem agravo umas centenas de trabalhadores por causa da Taça América que há-de vir. À cautela, despede-se as pessoas e depois logo se vê. Palavras para quê...

Ver o Publicopor Eduardo Damaso.

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