quinta-feira, maio 06, 2004

Corrupção e desenvolvimento............

Quem me conhece sabe que considero a corrupção como algo repugnante e, infelizmente, omnipresente.
Discordando, posso até compreender, humanamente, a corrupção dos que pelo mundo fora recebem remunerações miseráveis que lhes impedem e à sua família uma existência digna ou até a sobrevivência. Mas não existe nenhum plano que me torne admissível a corrupção dos ricos, dos poderosos, particularmente quando a corrupção se realiza, directa ou indirectamente, com o dinheiro dos contribuintes.
Neste contexto é lógico que me choque especialmente a corrupção praticada por políticos e pelos interesses que em torno de muitos deles gravitam e que se posicionam da melhor forma para inventarem formas de arrecadar ou usar em proveito próprio o dinheiro ganho com o suor de cada cidadão.

Obviamente este não é um problema especificamente português. Em “nome do povo” políticos de todo o mundo ganham inescrupulosamente à custa da pauperização dos seus cidadãos.
Quer em ditaduras quer em democracias, inventam-se novas obras públicas para atribuir empreitadas a algumas empresas que simultaneamente são financiadoras das campanhas dos partidos e das campanhas dos políticos. Em campanhas eleitorais, simulacros de lavagem de dinheiro passam por compras, em “leilão”, de objectos por um preço desproporcionadamente superior ao real, como forma de “regularizar” o que é uma tentativa de suborno prévio para favores futuros ou de pagamento dos passados.

Em órgãos de administração central, regional e local manipulam-se planos de ordenamento do território e viabilidades de construção para produzir favores a amigos e clientelas ou para, em contrário, penalizar adversários. O controle fiscal aperta-se sobre os pequenos empresários (para mostrar serviço e não raramente para extorquir aos vulneráveis) enquanto apenas se finge estar atento aos grandes. Políticos desonestos mentem com um despudor inacreditável, inclusive alguns que os cidadãos (hoje) julgam ser íntegros e que o não são. Com o tempo muitas surpresas (e desilusões) chegarão aos cidadãos.

Em síntese, seria uma sorte comparativa que a corrupção pública constasse apenas de pequenos subornos de secretaria. Mas esse é um pequeno exemplo de uma realidade que enferma a vida quotidiana sem que os cidadãos disso se apercebam.
A corrupção é transnacional. Em todo o mundo apenas um país, os Estados Unidos, proíbe legalmente o suborno, por cidadãos desse país, de qualquer entidade estrangeira, estabelecendo penas que atingem os 2 milhões de Dólares e os 5 anos de prisão. É o único país que o faz.
A corrupção atinge mais violentamente os pobres.

Enquanto em ditaduras a corrupção tende a florescer no âmbito da clique no poder, em democracia frequentemente os partidos políticos tendem a ser controlados por grupos de pessoas que, em nome do povo e sob a capa ”legitimante” dos elevados valores da democracia, se organizam para assaltar o poder e nele exercerem formas diversas de tráfico de influências e de corrupção. Partidos incluem nas suas listas de candidatos a funções públicas militantes mais em função do grau de fidelidade canina aos que internamente controlam o poder que em função das suas reais capacidades individuais para servir os cidadãos.

Poder-se-á argumentar que tal situação é condenável mas que não configura uma situação de corrupção. Outro ingénuo engano. Porquê ? Porque nesse caso um grupo organizado de interesses estará a pagar ou comprar favores e fidelidades pessoais de determinados indivíduos, conduzindo-os a funções públicas em que eles, por essa via ilegítima e fraudulenta, vão ser pagos pelo dinheiro produzido pelo suor dos contribuintes. Isto é, trata-se de um caso em que, na verdade, alguém está a pagar fidelidades pessoais com dinheiros públicos, dos cidadãos. Se isto não é corrupção e utilização abusiva de dinheiro dos cidadãos é, então, o quê ?
Os cidadãos encontram-se tão habituados a viver no seio de uma corrupção generalizada que nem a compreendem quando a vêem. Por exemplo, todos criticam mas todos aceitam passivamente que ruas e infraestruturas públicas num país se encontrem depauperadas até que, em proximidade de eleições, tudo se refaz. O que parece apenas falta de ética política é também um acto mais grave. Porque em muitos desses casos um político ou um conjunto de políticos utilizou fundos públicos não quando e como eles eram necessários à população mas no momento em que lhes era pessoalmente útil. Por outras palavras, tal caso corresponde a uma utilização de dinheiro público em função de interesses privados.

Em geral a corrupção é tão grave como é invisível. Uma boa parte dos aparelhos de poder está construída e sedimentada discretamente em seu torno. Mas, invariavelmente, a corrupção premeia os ricos e os poderosos e condena os pobres e os cidadãos em geral.


(Por Pedro Jordão in Diario de Coimbra 2mai04)

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