Num espaço de breves dias, a visão e a leitura cruzadas de uma reportagem televisiva e de um artigo de jornal evidenciam, como paradoxo insustentável, a incapacidade escandalosa de evitar a tragédia anualmente repetida dos fogos que vão devastando a floresta portuguesa.
Na televisão, vêem-se uns incrédulos e constrangidos vigilantes florestais a atolarem pequenos automóveis utilitários de características urbanas - de marca Toyota e modelo Yaris, para ser mais preciso - em caminhos improvisados no meio de pinheiros, mato e eucaliptos.
E a lamentarem-se da superior ordem de serviço, em papel escrito e devidamente timbrado numa qualquer tipografia de Lisboa ou arredores, que os aconselha a utilizarem somente percursos alcatroados para não danificar - e já agora também para não sujar - os preciosos veículos destinados à prevenção e detecção de incêndios certamente adquiridos com o dinheiro de todos nós.
Vê-se a reportagem, feita no rescaldo do grande incêndio que assolou o Sotavento algarvio e dificilmente se acredita em tamanha falta de senso e de conhecimentos básicos sobre a melhor forma de detectar um foco de incêndio e combatê-lo prontamente.
Assim, de nada vale elaborar pomposos livros brancos, negros, ou de todas as cores, para diagnosticar o que esteve mal nos anos transactos e deixar tudo como dantes, em anos sucessivos, neste Portugal de cinzas anualmente repetido.
A sensação de incredulidade torna-se ainda maior quando se verifica que, afinal, existem bons exemplos que tardam em reproduzirem-se.
No "DN" da passada segunda-feira, podia ler-se que em Castanheira de Pêra, concelho localizado numa das mais extensas manchas florestais da Europa, apenas arderam este ano uns minúsculos dez metros quadrados, consequência de somente três fogos registados.
Acresce que no ano passado já fora assim, apesar das elevadas temperaturas, do território propenso ao pasto das chamas e dos incendiários que, à falta de melhor explicação, são normalmente atirados para a fogueira dos primeiros responsáveis pelos incêndios de Verão - e que também é suposto existirem nesta parte norte do distrito de Leiria.
Por que será? É que em Castanheira de Pêra, como nos revela a prosa de João Figueira, com quem se partilhou na década de 80 a reportagem de muitos e grandes incêndios que afectaram a zona centro do país, os bombeiros não se limitam a apagar fogos, não ficam especados no quartel à espera que soe o alarme, nem asseguram a prevenção e detecção das chamas munidos de carros mais propícios às ruas de uma qualquer cidade portuguesa.
Tendo em conta que um incêndio, para ser eficazmente controlado, deve ser combatido nos primeiros 20 minutos de propagação, a floresta é permanente vigiada por operacionais que se deslocam de motorizada e que, além do mais, são portadores de material de primeira intervenção: um extintor, uma catana, um abafador, um rádio e um telefone. E, mesmo antes de chegarem os meios pesados de combate, há uma segunda linha de intervenção composta por cinco homens que se fazem deslocar em viaturas equipadas com um pequeno depósito de água (com retardante, ou seja, o mesmo produto que faltou por alegadas razões ambientais nos mais recentes fogos que envolveram meios aéreos...), uma moto-serra, enxadas, e meios de comunicação rádio.
E porque o seguro morreu de velho, os itinerários de vigilância nunca são iguais "e só são conhecidos no momento da partida de cada uma das equipas do quartel de bombeiros".
Dado que a desconcentração anunciada por Santana Lopes ainda não chegou à zona do pinhal centro, e é natural que nunca lá chegue, permita-se uma sugestão aos ministros com responsabilidades nesta área, Daniel Sanches, José Luís Arnaut e Carlos da Costa Neves:
telefonem para os bombeiros de Castanheira de Pêra e perguntem ao comandante Bebiano Rosinha, que há mais de 30 anos combate as chamas na floresta, como é que se faz.
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