Em tempo de cinzas, haverá lugar à esperança de evitar danos piores?
Foi tudo demasiado intenso, demasiado rápido, demasiado previsível. Como a ira dos vulcões, que de súbito tudo arrasam à sua volta para logo voltar à quietude de séculos, as chamas varreram o país em parcelas de norte a sul, provocando numa única semana uma onda de alarme generalizado e de prejuízos ainda por avaliar na sua totalidade.
Repetiu-se o que ninguém queria ver repetido e, no entanto, parece que pouco ou nada mudou. Há incendiários, confirma-se (este ano já foram detidos 33 suspeitos de fogo posto), mas há também uma inconcebível displicência no modo como tudo se arrasta.
Um exemplo: desde 1996 que se previa a criação de um Fundo Florestal Permanente que custeasse acções (como fogos controlados, por exemplo) destinadas a minimizar o risco de incêndios. Passaram-se anos e muitos hectares ardidos até que, por pressão da intolerável tragédia do ano passado, ele lá arrancou. Ou melhor: arrancou a sigla, porque apesar de criado em Março o seu programa só se tornou oficial, com publicação no "Diário da República", na sexta-feira passada dia 30 de Julho.
Mesmo a tempo de contemplar os incêndios... do ano que vem! Agora, sim, que arderam muito mais dos nossos preciosos hectares e que no Algarve, por exemplo, se consumou uma terrível catástrofe ambiental ("um ecossistema riquíssimo em termos de flora e fauna está reduzido a cinzas", agora podem finalmente reunir-se as comissões que não se reuniram, fazer-se os planos que não se fizeram, estudar-se os erros cometidos que ninguém quer voltar a cometer e que, por inexplicável maldição, aqui e ali se repetem.
Isto quer dizer que nada se fez? Seria injusto dizê-lo. O Governo, por exemplo, garante que investiu quatro vezes mais em prevenção e vigilância do que em 2003 (88 milhões contra 21 milhões de euros).
No entanto, o número de incêndios duplicou: 8860 em Julho de 2004 contra 4239 no mesmo mês do ano passado. É concebível? De modo algum, apesar das desculpas que fornecem os termómetros.
Algo não funciona e é preciso, rapidamente, determinar o quê. Apontar e corrigir os erros. Para que, além dos lamentos e da penosa inventariação dos danos se possa dizer que Portugal aprendeu a enfrentar os incêndios e não a chorá-los, pagando com dinheiro, mais ou menos fácil, o que não tem preço: a nossa floresta.
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